Criatividade na prática profissional em Arquitetura e Design

Eric Zompero – Arquiteto | Designer | Educador

EIDEA Educação e Inovação em Design, Engenharia e Arquitetura
QZA – Arquitetura, Design e Consultoria

eric@qza.com.br

Resumo:

Criatividade, repertório, processos criativos são essenciais tanto na vida acadêmica quanto nas atividades profissionais de áreas como Arquitetura, Urbanismo, Design e Artes Plásticas. Claro que em todas as práticas a ação criativa deve estar presente, mas são nessas que a exigência se torna primordial.

Esse texto mostra algumas pesquisas na área, assim como técnicas conhecidas e disseminadas pelos autores que se dedicam a essa pesquisa.

Palavras-chave: Arquitetura. Design. Psicologia. Artes plásticas. Processo criativo. Criatividade. Repertório.

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Considerações iniciais.

É senso comum, ou uma manifestação leiga, que o ato criativo é inerente aos profissionais de áreas consideradas criativas, como a Arquitetura e o Design. Parece inclusive ser uma exigência a esses profissionais, muitas vezes exigidas e admiradas. Esses profissionais são considerados dotados de uma capacidade ímpar de “ser criativo”, capazes de transmutar e em realidade os sonhos dos clientes, agregadores de dimensões objetivas e subjetivas, e toda uma série de afirmações deveras exageradas. Obviamente essa concepção do “arquiteto-deus”, perpetuado nos séculos passados já se diluiu na sociedade atual, mas a necessidade de mostrar-se como criativo nas áreas citadas, continua ser um diferencial exigido. A questão é se essa capacidade pode ser aprendida ou é derivada de pré-formações neurais hereditárias.

As ações criativas, são pesquisadas desde a antiguidade, havendo referências na história da filosofia e psicologia. É pesquisada por diversos autores, de diversas origens, como, considerando apenas as referências consultadas, BERZBACH (2013), STERNBERG (2009), CASTELO FILHO (2015), CSIKSENTMIHALY (2019), ALENCAR (2009), entre outros que originaram essas pesquisas. A maioria dessas demonstram a dimensão criativa como algo caótico, mas não aleatória, pertencente ao mundo complexo, ou “o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico”, conforme MORIN (p.13, 2007), uma breve descrição do que poderíamos considerar repertório, citado adiante. A questão caótica e sua correlação com o aleatório, é desmistificada tanto pela complexidade quando pela matemática, “O coração do caos é matematicamente acessível”, conforme afirma GLEICK (p. 35, 1991). O ato criativo é complexo, mas não fortuito, pois possui relações circunstanciais objetivas. De acordo com MANSOURI (2009): “O postulado da dimensão caótica é parte da natureza do processo exploração, seleção e desenvolvimento exponencial ao nível de uma infinidade de possibilidades e combinações”, descrevendo preliminarmente, algumas características do processo criativo.

Criatividade e o processo criativo.

Definir de modo objetivo e unânime o que é criatividade, é praticamente impossível. Não há um consenso entre os autores e pesquisadores do tema, seja psicólogo, educador, psiquiatra, filósofo ou neurologista. A criatividade é relativa em sua origem, é decorrente de seu tempo, de sua era, do que é considerado “novo” na proposta em que se insere, resultado de um contexto, ou de uma determinada sociedade, ou cultura, ou uma área específica da ciência, ou talvez de um grupo de pessoas.

Consequentemente, de um modo geral, pode-se definir a criatividade como o “processo de produzir algo que seja original e válido ao mesmo tempo… Pode ser uma teoria, uma dança, um composto químico, um processo ou um procedimento, uma história, uma sinfonia ou quase tudo o mais.” (STERNBERG, p.420, 2010). Criar é abrangente, e não propriedade de uma ou outra disciplina, criatividade existe no meio artístico e científico, na criação de uma teoria ou em uma receita de bolo.

Assim, segundo ALENCAR (2009), “o processo criativo deve ser entendido, portanto, como resultado da interação de fatores individuais e ambientais, que envolvem aspectos cognitivos, sociais, culturais e históricos.”

Sobre o processo criativo, a estrutura proposta por BERZBACH (2013), resume grande parte das propostas dos pesquisadores que se debruçam no tema, e, embora haja pequenas diferenças conceituais para cada uma das fases descritas abaixo, entre os autores, todos de certa forma consideram essas mesmas, com pequenas alterações. Assim, de forma simplificada, são essas as cinco fases para que o processo criador seja efetuado:

  1. Preparação, é a fase de coleta de informações, de aquisição de repertório, sendo esse simples ou complexo, específico ou generalista. No “Double Diamond”, desenvolvido pelo British Design Council em 2004, seria a fase de gatilho, de descobertas. É uma fase divergente, com inúmeras possibilidades de prospecção e exploração. Buscam-se perguntas, não respostas; buscam-se ideias, não convenções ou predefinições. É uma fase que deve ser paciente, em diferentes escalas, pode durar horas, dias ou estar presente do dia a dia do profissional de criação. É gradativo e se perpetua através do tempo, por meio de informações assimiladas no cérebro do participante, ou através de metodologia e tecnologias disponíveis.
  2. Incubação, é onde todo o repertório adquirido na fase anterior começa seu propósito de concatenar-se, de juntar cada pequeno grupo de informações e formular possíveis ideias, através de um tempo proposto, de forma inconsciente ou consciente. Incubar uma ideia é prepará-la e ao mesmo tempo desligar-se dela, deixar que os processos psicológicos interiores desenvolvam suas estratégias de sobrepor além do óbvio. Deve-se confiar que as ideias virão, de modo calmo, conciso e tranquilo. Conforme conta BERZBACH (2013), “o cineasta David Lynch disse que muitas vezes simplesmente se sentava em uma poltrona sem fazer nada, e, aos poucos, surgiam temáticas e imagens, que espontaneamente aproveitava e desenvolvia”. É um período de devaneio, de paz, um momento único onde as possibilidades se sobrepõem. Não é mágico, mas sim uma consequência de todo processo cerebral em direção ao ato criativo.
  3. Iluminação é uma daquelas constantes que parecem fantasia quando contadas através de histórias ou citações, como o “eureca” do matemático grego Arquimedes, o qual, ao resolver um dilema proposto pelo rei Hierão, saiu gritando “eureca”, algo como “descobri” ou “encontrei”. Essa inspiração é decorrente de muito trabalho, de muitas considerações e informações dispostas, não é algo súbito ou mágico. Como nesse caso da criação, é resultado dos processos de preparação e incubação. A iluminação pode criar muitas respostas, nem todas corretas, mas também decorrentes do processo, erros fazem parte do processo e através deles novas realidades podem ser observadas, levando o pensamento para algo maior e mais complexo, que enfim podem concluir em resultados promissores e construtores de novos conhecimentos.
  4. Realização. Implantar uma ideia muitas vezes é complicado, pois pode envolver inúmeras ações, algumas vezes iterativas, repetitivas, divergentes, verdadeiros desafios, já que uma ideia está em um universo amplo e mutável, e deve fixar-se na realidade, envolvendo inumeráveis condicionantes. Envolve custos, recursos, pessoas, tempo, energia e condições psicológicas dos envolvidos. É o ato projetual cru, é a formalização física do ato criativo, do pensamento inerente, da ideia em seu cerne exposto à realidade.
  5. Verificação, afinal o projeto construído ainda não está finalizado e nem é o ápice da criação do projetista. Deve ser revisto, analisado, compreendido em sua realidade de uso, sem considerações egóicas ou defensivas. A consolidação física da ideia não é o término da relação com o projetista, sua revisão é aquisição de informações resultantes do uso, portanto novas e capazes para novos insights. É a retroalimentação do repertório. BERZBACH (2013) dispõe sobre essa questão, “… quando uma equipe consegue, nessa última fase do processo criativo, separar o lado intelectual do lado emocional da crítica, então qualquer correção tornará seu produto melhor.”

São essas fases que, tanto em programas didáticos de cursos como Arquitetura e Design, quanto na prática profissional, podem (e não “devem”, pois todo processo criativo é aberto) serem considerados, nas práticas profissionais e acadêmicas.

Especificamente na questão profissional, as atividades de cada uma dessas áreas, nas devidas fases de criação, são assumidas em muitos escritórios por muitos profissionais, sendo essa sequência um método de projetação, resumidamente da seguinte forma: na entrada de um novo projeto (de arquitetura, design ou artes plásticas), é feito uma análise e toda uma pesquisa é realizada para verificar possibilidades projetuais (fase de Preparação); em seguida é sintetizado todo o novo conhecimento adquirido em testes, esboços e possibilidades, é a fase de insights projetivos (fase de Incubação e Iluminação); então, após todos os procedimentos de construção para o real, é feita a realização da comunicação da ideia formalizada em projeto para posterior construção (fase de Realização). Enfim, tanto em Arquitetura e Design, há a chamada Avaliação Pós-Uso, ou Pós-Obra, onde o elemento realizado é analisado para que seja feito uma retroalimentação do conhecimento.

Repertório.

Repertório, de forma suscinta, está ligado à aquisição de conhecimento e construção de memória, é derivado do processo cognitivo do aprendizado. Assim, qualquer informação adquirida pelos sensores periféricos de um indivíduo, é assimilada, interpretada e guardada para posteriormente ser utilizada de alguma forma. Isso vale para tudo, e para o tempo todo, quanto mais experiências, mais estudos, mais interação com o mundo e pessoas, maior o repertório. O repertório está em constante construção e atualização, e pode ser mudado, concatenado, excluído e reconstituído. Está claramente atado às ações, pensamentos e atos criativos, é a junção e fixação dessas informações que produzirão algo novo, quanto maior o repertório, maior a capacidade de interrelações e, portanto, de novas criações.

O repertório, a fim de criar algo, deve ser diversificado, assim, utilizando uma afirmação da área da informática, a Lei da Variedades de Requisitos, do psiquiatra inglês Ross Ashby, “variedade absorve variedade, define o número de estados necessários de um controlador controlar um sistema de um determinado número de estados”, considerando o processamento de informações coletadas em nossa existência, um pensamento complexo necessita de complexidade para se desenvolver, assim, quando maior e mais complexo o estado do repertório da pessoa, maior as possibilidade de criação, de criar saídas através dos insumos adquiridos. Aprender à partir de informações adquiridas, é o modo de expandir o repertório, tanto de prática quanto teórico, é ampliar possibilidades e escolhas, perpetuando o ato da criação perpetuamente.

Criatividade e ligação intrínseca com repertório.

Diante do previamente exposto, toma-se a ação criativa como decorrente do repertório pessoal de cada indivíduo, “indivíduos altamente criativos trabalham com muito afinco e dedicação… Em seguida, aproveitam aquilo que conhecem e divergem do conhecimento para criar métodos e produtos inovadores.” (STERNBERG, p.422, 2010). Assim, é facilmente observável na prática profissional, por exemplo, que os profissionais que possuem maior curiosidade, maior vocabulário, interesse na busca de referências e estudos de caso, possuem um repertório que contribuirá para o desenvolvimento de projetos mais criativos e inovadores.

Outras aproximações referentes à criatividade podem ser citadas, como relacionar a criatividade à capacidade de processamento de informações de um indivíduo, ou à processos mnésicos, nesse último caso reforçando a questão da relação intrínseca com o repertório.

Outra abordagem é o papel da filosofia pessoal no desenvolvimento criativo, relacionado à aceitação global de questões sociais, culturais, étnicas, entre outros. Além da motivação, intrínseca e extrínseca. “Os indivíduos criativos, em particular, tendem a ser mais abertos à novas experiencias, a demonstrar autoconfiança, e aceitar a si mesmos, a ser impulsivos, ambiciosos, impulsionados, dominantes e hostis do que os menos criativos.” (STERNBERG, p.423, 2010).

“Boas ideias não surgem do nada; são construídas à partir de um grupo de partes existentes, cuja combinação se expande (e, as vezes, se contrai) ao longo do tempo.” (JOHNSON, 2011, p.34). Criatividade se propaga em rede, em ação rizomática, se perpetua em inúmeras direções, não é algo único ou definitivo, é uma construção densa, plástica, capaz de se auto reconfigurar a cada nova sinapse, afinal, não é a quantidade de informações que define a ação criativa, mas a capacidade de ligação entre elas.

Graças a nosso apetite por novidade, a inovação é uma exigência. Não está restrita a apenas algumas pessoas. O impulso criativo vive no cérebro de todos os serem humanos, e dele resulta uma guerra contra o repetitivo que motiva as mudanças colossais que distinguem cada geração da seguinte, cada década da seguinte, cada ano do seguinte. O impulso de criar o novo é parte de nossa constituição biológica. Erguemos culturas às centenas e novas histórias aos milhões. (BRANDT, p.40, 2020)

O ato criativo faz parte de toda ação humana, é inerente à existência, à evolução. Propor o desenvolvimento dela em todas as suas potencialidades é propor liberdade a cada indivíduo. Cercear seu desenvolvimento assim, torna-se um ato desumano.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Eunice Soriano de. Criatividade: múltiplas perspectivas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009.

BACICH, Lilian. MORAN, José. (org.) Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.

BERZBACH, Frank. Psicologia para criativos: dicas e sugestões de como manter a originalidade e sobreviver no trabalho. São Paulo: Editora G. Gilli, 2013.

BRANDT, Anthony. Como o cérebro cria: o poder da criatividade humana para transformar o mundo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

CARVALHO, Henrique. Double Diamond: o que é esse processo de design. Publicado em 02 dez de 2019. Disponível em: < https://vidadeproduto.com.br/double-diamond/> Acesso em 02 jul. 2021.

CASTELO FILHO, Cláudio. O processo criativo: transformação e ruptura. São Paulo: Blucher, 2015.

CSIKSENTMIHALY, Mihaly. Flow: a psicologia do alto desempenho e da felicidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2020.

GLEICK, James. Caos: a criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro: Campus, 1991.

JOHNSON, Steven. De onde vêm as boas ideias. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

MANSOURI, Ahmed. La Créativité Architecturale, Application du modèle GERO-SHI à l’étude de la Créativité chez Le Corbusier. Tese de Mestrado. Orientador: Prof. Ahmed Boudraa. Publicado em nov. 2001. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/ 301612136_ a_Creativite_Architecturale_ Application_du_modele_GERO-SHI_a_l%27 etude_de_la_Creativite_chez_Le_Corbusier> Acesso em 02 jul. 2021.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2007.

Repertoire of pratice. Disponível em: <https://newlearningonline.com/learning-by-design/glossary/repertoire-of-practice> Acesso em 02 jul. 2021.

STERNBERG, Robert. Psicologia cognitiva. São Paulo: Cengage Learning, 2010.

HIRAO, H. O processo criativo do projeto arquitetônico e os referenciais projetuais no trabalho final de graduação. In: FIORIN, E, LANDIM, PC, and LEOTE, RS., orgs. Arte-ciência: processos criativos [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, pp. 175-196.

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